1959. Era o dia primeiro daquele janeiro. Deixei a família e
me dirigi para o litoral. Eu tinha um jeep opala vermelho. Nunca havia saído da
cidade e apanhado a estrada, mas aquele dia eu estava vazio por dentro.
Completava duas semanas que havia perdido o amor da minha vida. Sabem o que é o
amor da vida? A gente passa grande parte da vida com alguém, não se sabe por
que, se por atração ou ilusão, não importa. Tudo é assim. A gente passa um
tempo com alguém e se engana. Engana a si mesmo e engana o outro. Os dois sabem
que não se amam, mas por algum motivo vão se levando, cobrindo os dias,
disfarçando com comemorações, dias dos namorados, dia do aniversário que se
conheceram, dia do aniversário dela e da gente. O tempo vai passando, até que
beijar não tem sabor algum, abraçar passa a ser uma procura de consolo para
aliviar a solidão que se tem. Mas, o amor da vida não. Não é assim. O amor da
vida é especial, tudo é especial. Eu ficava parado olhando cada detalhe de cada
movimento dela. Nada eu podia perder. Nada que partisse dela. E como um magma ela
me atraia como se fossemos feitos de compostos químicos homogêneos. A minha
pele gritava pela pele dela, o meu corpo necessitava do calor do seu corpo. Eu
sorria no sorriso dela. Era como um Anjo. Era como se fosse uma parte de mim. O
som de sua voz me fazia delirar de amor, como o mais lindo cântico. O cheiro
dela era diferente, algo que eu nunca sentira antes. Ao seu lado era como se eu estivesse sob a
mais frondosa árvore num dia quente de verão. Ela deitava a cabeça no meu colo
e eu sentia que estava segurando a entidade mais delicada do mundo, um tesouro
de Deus. Quando ela olhava dentro dos meus olhos eu ia entrando em mim numa
doçura tão cheia de paz que não precisava pensar em nada, mas só vivenciar o momento
como se flutuasse no ar. Ela era a brisa da minha tarde de amor, o sol da minha
manhã de ternura. Ela construiu um mundo novo para mim. Um mundo em que eu era
todo coração. Eu não ouvia mais canções, não lia mais romances, ela era a minha
canção, o meu romance. Com ela nada mais me faltava. Tudo era repleto. Ás vezes
ela me dizia: “Ei, amor, estou falando com você”. E eu estava no mundo da lua.
Não era falta de atenção, era excesso de atenção. Tudo o que era ela me
hipnotizava. Ela dizia uma palavra, e eu
ficava tentando reproduzir em minha audição o som da voz dela. E muitas vezes
eu dizia: “O que você disse mesmo?”. E eu sabia o que ela havia dito, mas
precisava ouvir de novo. Eu amava todas as palavras no som de sua voz. E, naquele dia de réveillon eu saí ainda de
madrugada, todos ainda soltavam fogos. Todos felizes, mas eu não. Eu estava em
pedaços. Logo que cheguei à praia, sentei na areia e fiquei pensando nela. Eu
tinha que ir ao encontro dela. Onde estaria? Eu nem sei se acreditava na vida
depois da morte, mas depois que a perdi sentia que ela estava em algum lugar.
Eu precisava reencontrar o meu amor. Não
sabia se deveria deixar um bilhete para família me despedindo. O que fazer? Por
que levei o carro? Não deveria ter ido de carro, assim encontrariam o carro e
seria pior, uma notícia de morte triste num inicio de ano. Foi ali onde eu estava sentado que a vi pela
ultima vez, bem ali. Reconhecia tudo, cada grão de areia. Ela correu para o mar
ainda sorrindo e me dando tchau, foi e não voltou. De longe o meu amor se
afogava. Eu não sabia nadar, mesmo assim corri para a água, mas o salva vidas
me segurou , dizendo que tinha que saber salvar senão seria pior, então o salva
vidas foi e voltou com o meu amor já morto, sem vida. E naquele dia todos os
meteoros e todos os pesados astros do céu caíram sobre a minha cabeça. Deram-me
tantos calmantes que nem me lembro por quanto tempo dormi. Não vi velório e nem
enterro. O melhor é que eu estava ali, estava no mesmo lugar e eu sabia que ia
encontrar o meu amor. E fui. Fui ao encontro do meu amor, em direção ao mar.
Fui e não encontrei. Eu me afoguei, engoli muita água e voltei para a areia. E
fiquei ali. Fiquei por muito tempo.
Então, aprendi a nadar e pus-me a procurar o meu amor. Fui
até ao fundo do mar. Mas, nada de encontrar o meu amor.
Depois de muito tempo que não sei quanto, os estranhos que
eu sempre via olhando para mim se aproximaram. Sabiam tudo da minha vida e me
convenceram que eu havia morrido também. Então, perguntei a eles onde estava o
meu amor e eles disseram que estava bem, muito melhor do que eu e, se eu
quisesse vê-la teria que ficar bem também. Então, eu os segui e fiz tudo o que
me mandaram. Fiquei bem. E ao passo que ia ficando bem, ia compreendendo que o
amor é algo muito maior do que eu pensei. E quando eu estava pronto, eu me
encontrei com o meu amor. Choramos muito, conversamos muito, combinamos muitas
coisas para a próxima reencarnação. Pedi perdão por ter me suicidado, mas ela
disse: “Não, querido, você não se suicidou. Estava perturbado e alucinado
pensava que realmente me encontraria e me salvaria ainda encarnada”. Então, eu
entendi porque não fui para o lugar dos suicidas. Ninguém me dizia e ninguém me
respondia por quê. Logo vou reencarnar.
Não foi permitido que nos encontrássemos nesta próxima reencarnação que
teremos. Não sinto mais por ela o que senti na Terra. Era uma ilusão. Uma
ilusão terrena. Mas, mesmo sendo uma ilusão terrena, todos aqui dizem que foi
um lindo amor. Porque reconhecem os sentimentos quando estamos reencarnados. E
aqui conhecemos outros casais, alguns ainda se amam presos ao que sentiram na
terra. E reencarnarão como mãe e filho, ou como irmãos, ou como neto e avó para
se curarem do amor dual. Mas, o que sabemos aqui é que o amor na terra entre
duas pessoas sempre existirá para que por meio deste amor, trabalhem a moral e
se encontrem em famílias formadas. Sem o amor entre casais não se teria o
respeito e, a ilusão pelo sexo geraria uma bagunça. Por isso dizem aqui que o
amor de casal é lindo. Eu vou reencarnar e quero viver um amor tão lindo como o
que eu vivi com a minha adorável Madalena. E que Deus me ajude para compreender
o limite do amor. Quando se vive muito tempo com um amor, a velhice vai curando
a ilusão do amor de casal e o amor vai se tornando amizade, uma doce amizade,
mas quando se desencarna cedo antes de envelhecer, o amor permanece e dói
muito. E todo amor terreno precisa se tornar amizade. E os Espíritos daqui
sabem disso, por isso veem o amor a dois com muita ternura e até auxiliam os
casais terrestres a se encontrarem na Terra. Pois, todos sabem que ao chegar
aqui irão reconhecer que o amor a dois só existe na Terra e é um grande
presente de Deus. Aqui o amor se cura e passa a ser coletivo e fraterno. Todos
irmãos.
Deus abençoe a todos
e obrigado pela oportunidade
(Espirito Carlos)